conservadores reside, entre outros aspectos,
no abuso dos apelativos e o fato das
mulheres se agradarem do tratamento chulo
FONTE - CORREIO DO TOCANTINS
Inegavelmente, as músicas de jovens e para jovens atacam na histeria das interjeições e, não raro, apelam, promovem e exaltam a depreciação da figura feminina.
O uso frequente de “ai” e “ui”, expressando uma espécie tesão latente e escachado, leva dezenas e até centenas de milhares de fãs a shows de axé, forró, tecnobrega e sertanejo universitário Brasil afora, em busca de expressar coletivamente o gemido na interpretação do cantor. “As minas piram mesmo”, conta o jovem Fernando Guido, 22 anos, que se diz ouvinte incondicional das músicas de melodia “sem-vergonha”.
Ele conta que, quando tem show de sertanejo universitário e tecnobrega em Marabá, não dá para perder. “A mulherada vai toda. A maioria delas curte uma música de sacanagem, que tenha um gemidinho, um ai, ai, ai, ui, ui. Parece que tem um efeito rupinol, que faz a mulher ficar mais agitada. É muito fácil ir a uma balada dessa solteiro e sair de lá de mãos dadas com uma gata”, explica.
Os efeitos de sentido das letras musicais, aos quais instintivamente Fernando faz alusão, já brotam daí. Atualmente, está na moda – ou sempre esteve, mas hoje sem qualquer rodeio – chamar “mulher bonita” de “gata”, e isso também há muito tempo saiu das formas de tratamento pessoal e ganhou o rumo da música.
A colunista de revista Luizane Schneider, especialista em estudos da linguagem, expõe em seu artigo “A Depreciação da Mulher em Inferências Musicais” um verdadeiro bacanal a que a figura feminina está exposta. Ela usa como exemplo a canção “Chupa que É de Uva”, gravada pela banda de forró eletrônico Aviões do Forró em 2008.
A letra tem um repertório composto por 82 palavras, sendo que o pronome oblíquo átono “me” aparece nove vezes e é a palavra que mais se repete. Gramaticalmente, aparecem na letra verbos (30,48% de representatividade), pronomes (28%), substantivos (23,17%), preposições (13,41%), adjetivos (2,43%), artigos e advérbios (cada um destes com 1,21%).
CHUPA, CHUPA!
De acordo com a estudiosa, no primeiro e no quinto versos, a mulher é tratada como “cajuzinho” e “moranguinho”, respectivamente, uma espécie do que, na Língua Portuguesa, se configura prosopopeia, já que nas citações em questão trocou-se um substantivo próprio pelo nome de uma fruta. No verso “Te pego de jeitinho”, a coisa começa a esquentar: na palavra “jeitinho”, está subentendido o ato sexual, assim como em “Chupa que é de uva” faz-se referência a sexo oral.
Para apimentar ainda mais a neurose do ouvinte, a canção traz três hipérboles (ou, gramaticalmente falando, exagero de ideia): “Me deixa maluca”, “Me mata de amor” e “Na sua boca eu viro fruta”. Segundo Luizane, a loucura que está expressa não é psicológica, mas uma forma de pedir ao homem que proporcione prazer à mulher. Respectivamente, a mulher não pede ao homem que a mate, e sim que ele a deixe excitada.
E, por fim, como não há como a mulher se transformar em fruta, ele segue sendo comparada a uma, durante o ato sexual, uma vez que o homem tira a sua roupa (a “descasca”), beija-a (“morde”) e efetiva o ato sexual (“come”).
Para além dessas figuras de linguagem, um tanto quanto apelativas, são observados recursos sonoros, como a anáfora, que consiste na repetição do pronome oblíquo átono “me” em seis versos respectivos. E a aliteração que consiste na repetição proposital e ordenada de sons consonantais: “Chupa que é de uva! Chupa! Chupa! Chupa que é de uva!”.
Não é demais nem obsceno lembrar que o verbo chupar, no modo imperativo, indica que o homem está impondo o sexo oral à mulher – e esta, aliás, vai sendo deflagrada na música como um ser inferior e de fácil acesso, que pode ser facilmente iludida e até comprada.
MUITO SE PERDEU
Na opinião do músico Rogério Reis, vocalista do conjunto Legionários, banda de rock que faz grandes shows em todo o Pará, as canções de conteúdo vazio que têm surgido na contemporaneidade refletem a falta de uma boa cultura musical, que, segundo o músico, é resultado também da ausência de incentivo à leitura e à informação.
As letras, ainda conforme Reis, geralmente têm apelo sexual forte, com conotação direta ou indireta, de maneira a deixar a mensagem fixa “na cabeça dos aculturados”. Trazem também um ritmo embalante ou uma batida repetitiva para que o refrão “grude como chiclete”, e aí o sucesso meteórico está feito.
“É lamentável que isso aconteça, visto que nada agrega de positivo a não ser o fato de a música servir apenas para virar um hit momentâneo, e o artista, embalado na onda, ir fazendo shows e mais shows, aproveitando-se de estar em evidência”, explica o vocalista de Legendários.
“É muita diferença das produções musicais dos anos 60, 70, 80 e até meados de 90, quando as letras eram verbalmente ricas, com conteúdo sólido, inteligente, reflexivo e aliado a uma melodia marcante. Elas fizeram parte de grandes momentos vivenciados por essas gerações e até hoje são lembradas e eternizadas por tudo isso”, resume.(Texto - André Santos)
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