TOLERAR É ENTENDER O DIFERENTE

Temos que rever o conceito de religião

Vivemos tempos difíceis onde a divindade
não tem muita importância
provocando o desligamento
da causa primeira de todas as coisas



WALQUER CARNEIRO


Nós cristãos devemos ser tolerantes, temos o dever e a obrigação de conviver tranquilamente com o contraditório, pois um dos princípios cristãos é disseminar a paz e não a contenda. Nesta época contemporânea, em que o conhecimento e a ciência se multiplicam, vemos grande parte da humanidade, tanto cristãos ou não, a apagar da memória o sentimento gregário gerando o individualismo exacerbado levando humanos e se sentirem autossuficiente, e esse sentimento leva a discórdia e ao conflito. O comportamento gregário é primordial para garantir a estabilidade social da raça humana, pois pela própria natureza o seres humanos só conseguem viver bem se estiveram juntos, e aí é que entra a importância da tolerância. 

Hoje é notado um aumento significativo de pessoas que declaram serem ateus, enquanto do outro lado também aumenta o número de pessoas que professam o sentimento cristão. Tanto que nos últimos cinquenta anos vêm se multiplicando a quantidade de denominações ditas cristãs em todo o mundo, e cada uma com um ponto de vista doutrinário diferente umas das outras. Ao mesmo tempo em que aumenta a quantidade de adeptos da fé cristã aumenta também a intolerância entre as diversas denominações, e destas para aquelas pessoas ou religiões que pensam diferente, ou não professam fé nenhuma, e essa realidade está levando a raça humana a se desagregarem. 

Quando digo tolerante, não quero dizer se submeter totalmente a uma condição ou comportamento a qual você não quer, mas sim compreender um comportamento diferente daquele que você acredita, pois só assim é possível divergir sem criar conflitos levando o outro a refletir naquilo em que você acredita. E é bem aí que os líderes religiosos atuais cometem uma grandiosa falha, que é repudiar completamente o contraditório e querer obrigar ao outro a ser como eles para ser tido como igual, a isso damos o nome de fanatismo, um comportamento altamente prejudicial ao relacionamento humano. 

Esse fato é preocupante quando se vê também que ao mesmo tempo em que se multiplicam as denominações cristãs aumenta também a quantidade daqueles que se dizem líderes e no entanto se aproveitam da fraqueza psicológica, social e espiritual de muitos para se locupletarem às custas dos fracos, isso leva a muitos e se posicionarem frontalmente contra a doutrina de Cristo e até mesmo a negar a existência de Deus, ainda mais que na história humana, na terra, muitas ações de violência e conflito foram executadas em nome de Deus e em nome de Cristo. 

Já está provado que os seres humanos dependem da crença em uma divindade. Muitos sábios e cientistas atuais atestam que para a existência do todo há que ter uma força primordial, poderosa, eficiente, dinâmica e racional, e que sem essa força é impossível explicar todas as teorias cosmológicas, matemáticas e existenciais. 

Eu concordo que a essência desta força, que os que creem chamam de Deus, seja inexplicável, todavia negar essa força, ou desvirtuar seus propósitos, pode ser extremamente prejudicial para os seres humanos. Pois essa força inexplicável é que mantém o todo existente em harmonia e em união. Como a raça humana faz parte do todo, sendo racional, está intimamente ligada a essa força primal, e quando um ser humano, ou grupo de humanos, resolve negar essa força ele conscientemente toma a atitude de se separar dela, e aí todas as suas ações são de inteira responsabilidade daquele que resolveu se separar da causa primeira de todas as coisas, tomando decisões por sua própria conta. Isso vale tanto para os cristãos, quanto para os judeus, para os islâmicos, muçulmanos e os outros que fazem coisas que estão em desacordo com os princípios das leis imutáveis da causa primeira de todas as coisas. 

Jesus Cristo, a última entidade representativa da causa primeira de todas as coisas a estar aqui na terra deixou uma grande e poderosa mensagem para um povo que estava sendo levado a descrença pelos sacerdotes que deveriam fortalecer esta crença, mas no entanto suas atitudes mostravam ao contrário, cuja atitude estava levando o povo a anarquia, povo este que também estava sendo influenciado por um governo político pagão, no caso os romanos cesaristas. 

No sermão da montanha Jesus pregou a tolerância e o respeito para com as pessoas que, na época escravizavam moralmente e politicamente o povo. As palavras do sermão servem como uma luva para os dias atuais. 

SERMÃO DA MONTANHA 

Bem aventurados os humildes de espírito, 
porque deles é o reino dos céus. 
Bem aventurados os que choram, 
porque serão consolados. 
Bem aventurados os mansos, 
porque herdarão a terra. 
Bem aventurados os que têm fome e sede de justiça, 
porque serão fartos. 
Bem aventurados os misericordiosos, 
porque alcançarão misericórdia. 
Bem aventurados os limpos de coração, 
porque verão Deus. 
Bem aventurados os pacificadores, 
porque serão chamados filhos de Deus. 
Bem aventurados os perseguidos por causa da justiça, 
porque deles é o reino dos céus. 
Bem aventurados quando por minha 
causa vos injuriarem, e vos perseguirem, 
e, mentindo disserem todo o mal contra vós. 
Regozijai-vos e exultai, porque é grande 
o vosso galardão nos céus; pois assim 
perseguiram os profetas que vieram antes de vós.

O CRISTÃO TEM QUE SER TOLERANTE

Intolerância religiosa

O fervor religioso é uma
arma assustadora, disposta
a disparar contra os que
pensam de modo diverso

*DRAUZIO VARELLA



"Sou ateu e mereço o mesmo respeito que tenho pelos religiosos".

A humanidade inteira segue uma religião ou crê em algum ser ou fenômeno transcendental que dê sentido à existência. Os que não sentem necessidade de teorias para explicar a que viemos e para onde iremos são tão poucos que parecem extraterrestres.

Dono de um cérebro com capacidade de processamento de dados incomparável na escala animal, ao que tudo indica só o homem faz conjecturas sobre o destino depois da morte. A possibilidade de que a última batida do coração decrete o fim do espetáculo é aterradora. Do medo e do inconformismo gerado por ela, nasce a tendência a acreditar que somos eternos, caso único entre os seres vivos.

Todos os povos que deixaram registros manifestaram a crença de que sobreviveriam à decomposição de seus corpos. Para atender esse desejo, o imaginário humano criou uma infinidade de deuses e paraísos celestiais. Jamais faltaram, entretanto, mulheres e homens avessos a interferências mágicas em assuntos terrenos. Perseguidos e assassinados no passado, para eles a vida eterna não faz sentido.

Não se trata de opção ideológica: o ateu não acredita simplesmente porque não consegue. O mesmo mecanismo intelectual que leva alguém a crer leva outro a desacreditar.

Os religiosos que têm dificuldade para entender como alguém pode discordar de sua cosmovisão devem pensar que eles também são ateus quando confrontados com crenças alheias.

Que sentido tem para um protestante a reverência que o hindu faz diante da estátua de uma vaca dourada? Ou a oração do muçulmano voltado para Meca? Ou o espírita que afirma ser a reencarnação de Alexandre, o Grande? Para hindus, muçulmanos e espíritas esse cristão não seria ateu?

Na realidade, a religião do próximo não passa de um amontoado de falsidades e superstições. Não é o que pensa o evangélico na encruzilhada quando vê as velas e o galo preto? Ou o judeu quando encontra um católico ajoelhado aos pés da virgem imaculada que teria dado à luz ao filho do Senhor? Ou o politeísta ao ouvir que não há milhares, mas um único Deus?

Quantas tragédias foram desencadeadas pela intolerância dos que não admitem princípios religiosos diferentes dos seus? Quantos acusados de hereges ou infiéis perderam a vida?

O ateu desperta a ira dos fanáticos, porque aceitá-lo como ser pensante obriga-os a questionar suas próprias convicções. Não é outra a razão que os fez apropriar-se indevidamente das melhores qualidades humanas e atribuir as demais às tentações do Diabo. Generosidade, solidariedade, compaixão e amor ao próximo constituem reserva de mercado dos tementes a Deus, embora em nome Dele sejam cometidas as piores atrocidades.

Os pastores milagreiros da TV que tomam dinheiro dos pobres são tolerados porque o fazem em nome de Cristo. O menino que explode com a bomba no supermercado desperta admiração entre seus pares porque obedeceria aos desígnios do Profeta. Fossem ateus, seriam considerados mensageiros de Satanás.

Ajudamos um estranho caído na rua, damos gorjetas em restaurantes aos quais nunca voltaremos e fazemos doações para crianças desconhecidas, não para agradar a Deus, mas porque cooperação mútua e altruísmo recíproco fazem parte do repertório comportamental não apenas do homem, mas de gorilas, hienas, leoas, formigas e muitos outros, como demonstraram os etologistas.

O fervor religioso é uma arma assustadora, sempre disposta a disparar contra os que pensam de modo diverso. Em vez de unir, ele divide a sociedade -quando não semeia o ódio que leva às perseguições e aos massacres.

Para o crente, os ateus são desprezíveis, desprovidos de princípios morais, materialistas, incapazes de um gesto de compaixão, preconceito que explica por que tantos fingem crer no que julgam absurdo.

Fui educado para respeitar as crenças de todos, por mais bizarras que a mim pareçam. Se a religião ajuda uma pessoa a enfrentar suas contradições existenciais, seja bem-vinda, desde que não a torne intolerante, autoritária ou violenta.

Quanto aos religiosos, leitor, não os considero iluminados nem crédulos, superiores ou inferiores, os anos me ensinaram a julgar os homens por suas ações, não pelas convicções que apregoam.

*Drauzio Varella é um médico oncologista, cientista e escritor brasileiro, formado pela Universidade de São Paulo, na qual foi aprovado em 2° lugar, conhecido por popularizar a medicina em seu país, através de programas de rádio e TV.

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