CONTO DE NATAL 2011

Sagrada família de simples brasileiros
Em dezembro as pessoas
se revestem do espírito de
fraternidade enquanto a
realidade é muito diferente

WALQUER CARNEIRO

Era mais ou menos o meio do dia de uma sexta-feira, na data de 23 de dezembro de um ano qualquer do século vinte e um.

O homem jovem,  porém de aparência cansada, caminhava pela rua poeirenta com casas de madeira, maioria já velhas, e muitas prestes a ir ao chão. Ele levava nos lombos  uma mochila com aspecto de já ter sido muito usada.

O homem caminha pela rua pensando em sua família que ele não via a mais de três meses. Esposa, quatro filhos, dois adolesce e dois bebês, um de três e outro de um ano.  

Por ser próximo ao natal, fim de ano, a rua, mesmo em bairro pobre da periferia da pequena cidade, apresentava um movimento intenso de pessoas e veículos, principalmente motos, fazendo com que a poeira ficasse constantemente suspensa no ar causando agonia, e o homem ia repassando na memória seus planos para o natal e final de ano. 

Apesar de pouco dinheiro ele pretendia festejar com a mulher e filhos.

-- Tomara que dê ao menos para eu comprar uns presentes pra os meninos e uma sandália pra minha mulher.  --  pensou ele com seus botões anotando mentalmente que não poderia se  esquecer do garrafão de vinho.

Ele pára em frente ao portão sustentado por uma cerca carcomida pelo tempo. Olha para dentro do quintal de terra batida com algumas moitas de mato crescendo pelos cantos da cerca e da casa de madeira enegrecida e estranha o silêncio. Nem o grito de uma criança, nem o som de panelas e pratos sendo lavados no jirau, sequer o velho cão vira latas que morava com eles havia aparecido.

-- É... não deve  de haver ninguém em casa ! --  pensa ele abrindo o portão e caminhando para a porta da cozinha, já que a porta e a janela  da frente estavam fechadas, e neste momento ele escuta um grito lancinante vindo de dentro da casa.

Ele apressa o passo entre na cozinha e olha para dentro do quarto onde vê três dos quatros filhos, uma senhora vizinha,  e sua esposa aos prantos como que jogada em cima da cama.

-- O que foi que aconteceu ? – Perguntou o homem preocupado, momento em que a esposa levanta-se da cama mostrando  o pequenino corpo estirado no colchão, e logo ele se dá conta do que se passava.

NO OUTRO DIA

--Faz uns cinco dias que ele começou a tossir uma tosse seca e toda hora. -- falou a mulher para o marido que tinha o rosto molhado pelas lágrimas. -- É essa poeira miserável que não tem fim. -- Lamentou ela. --Eu levei no posto de saúde,  mas não tinha dinheiro para comprar os remédios. --Justificou a mãe aflita.

O homem olhou para a pequena e ordinária urna mortuária sentindo uma dor no peito, cobriu o rosto com as mãos caindo em um pranto calado imaginando se não poderia ter sido diferente, pois se tivesse retornado para casa uma semana antes talvez a criança ainda estivesse viva.

O homem retorna a realidade com uma mão tocando em seu ombro. Ele olha para trás e vê o rosto da senhora que acompanhara sua esposa nos momentos finais da vida do filinho há poucas horas atrás. -- O moço da funerária tá querendo falar com você. -- disse ela apontando para um homem com as mãos enfiadas nos bolsos da calças e olhando para o chão,  próximo à porta pelo lado de dentro da pequena sala da casa.

O pai de família  demora alguns segundos para compreender a situação e logo caminha na direção do agente funerário com quem troca algumas palavras em voz baixa.

-- Sinto muito, mas esse é o menor preço que posso fazer, e ainda transportamos o corpo até o cemitério – diz o agente enquanto o pai de família preocupado coça a nuca. -- Mas esse é todo o dinheiro que eu tenho. Como é que eu vou fazer depois !? – Exclama apreensivo.

O agente funerário enfia as mãos novamente nos bolsos da calça, olha para cima, dá um giro com o corpo sobre os pés, olha para o homem que está numa tristeza só e diz: -- Certo... vou descontar cinqüenta reais... é o que eu posso fazer pelo senhor. -- falou o homem da funerária.

O pai de família olhou para onde esta o caixão com o filho dentro e a mãe chorosa debruçada por cima,e mais três pessoas ao derredor.  

Os dois  filhos maiores perplexo com a situação enquanto o menorzinho   sentado no piso sugava sua chupeta sem entender nada do que acontecia. Neste momento o homem sentiu uma enorme angústia e uma ponta de revolta. Como um autômato ele foi até o quarto, remexeu na velha mochila de onde retirou o dinheiro que entregou ao homem da funerária.

O papa defuntos saiu e logo em seguida entrou um senhor vestindo camisa de mangas compridas abotoadas nos pulsos com as fraldas passadas por dentro da calça social pregueada. O homem leva um livro nas mãos. Tomou lugar próximo ao caixão e iniciou uma oração. – Senhor criador, tenha misericórdia desta família, ameniza a dor que está em seus corações. Este é um momento de reflexão, e como seres humanos temos que nos preparar para ocasião como esta,  que cedo ou tarde é inevitável... –

Enquanto o homem desfiava sua prece tentando consolar a família o pai desviou os olhos para um canto da sala e avistou algo que, por causa da correria do acontecido,  ainda não havia percebido. Levantando-se  vagarosamente se aproximou da mesa sobre a qual estava montado um pequeno presépio de natal e seu olhar se fixou na manjedoura onde se encontrava o recém nascido menino Jesus e ele então  lembrou que era véspera de natal.

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