Senador José Sarney, depositou
o seu voto de confiança em
um julgamento justo para
todos os acusados, no STF
*POR GILBERTO DE SOUZA - DO RIO DE JANEIRO
Teve início, nesta quinta-feira, o julgamento da Ação Penal (AP) 470 no Supremo Tribunal Federal (STF), com o peso de um ‘julgamento do século’, o que talvez seja, diante de tão pouco tempo transcorrido desde o réveillon de 2000, quando outros escândalos campeavam soltos pela República brasileira. Os ministros da Suprema Corte, reunidos diante da história conhecida como ‘mensalão‘, vão julgar os destinos de 38 pessoas, todas envolvidas de alguma forma na crise que abalou o primeiro mandato do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Os ingredientes políticos de uma questão agora restrita ao entendimento jurídico pesam de forma inequívoca sobre as togas dos homens públicos que, dotados de conhecimento suficiente da legislação brasileira e do processo em si, precisarão expedir um voto sobre a culpabilidade ou a inocência de cada um dos acusados.
O procurador-geral da República, Roberto Gurgel, em sua denúncia, acredita piamente na história do deputado cassado Roberto Jefferson (PTB) de que o alto escalão do Executivo pagava uma quantia, em dinheiro vivo, à base aliada, em troca de apoio aos projetos em votação no Congresso. Jefferson acusou o ex-ministro-chefe da Casa Civil e deputado igualmente cassado José Dirceu (PT) de comandar o esquema que, rapidamente, a mídia conservadora batizou de ‘mensalão‘. Dirceu negou, e nega, que tal circunstância tenha existido. Trata-se, segundo Dirceu, de uma mentira repetida mil vezes para que pareça verdade, criada para solapar o então torneiro mecânico que acabara de se tornar presidente da República e, ao mesmo tempo, reduzir a culpa do denunciante, envolvido em um caso de corrupção explícita nos Correios, onde um de seus indicados a cargo de confiança recebeu o pacotinho de R$ 3 mil do preposto de Carlos Augusto Ramos, o bicheiro Carlinhos Cachoeira.
Naquela época, Cachoeira era desconhecido da maioria dos brasileiros, mas transitava com desenvoltura nos corredores da revista semanal de ultradireita Veja, a mesma que publicou a denúncia do ‘mensalão‘, ora denunciada como braço midiático do esquema criminoso destinado a subtrair recursos bilionários dos cofres públicos. Encarcerado no presídio da Papuda, em Brasília, o contraventor é hoje um trapo, se comparado ao influente ‘empresário na área de jogos’, como seus ex-aliados tentavam classificá-lo. Foi abandonado à própria sorte. Chegou a reclamar com a mulher, Andressa Mendonça, que se sentia uma espécie de leproso, e já estaria negociando a delação premiada, para desasossego de políticos das mais variadas legendas, em todo o país. Se fechar rápido o acordo com a Justiça Federal, Cachoeira ainda poderá influenciar no julgamento da AP 470, tamanho é o arquivo que deve disponibilizar sobre o processo de arrecadação de dinheiro sujo para campanhas eleitorais e da corrupção em curso no Brasil.
A Corte de Justiça mais alta do país, nesta tarde, começou a determinar se prevalece a tese de que uma quadrilha organizada encarregava-se, de forma sistemática, do furto constante ao Erário, com a distribuição do butim aos aliados no Congresso, ou se a lambança toda era, na realidade, manobra de recursos originários do caixa 2 de empresas, muitas delas com contratos fechados na esfera pública, para as campanhas eleitorais dos partidos políticos.
Na primeira hipótese, Dirceu, o então ministro mais poderoso do governo Lula e seu provável sucessor, em lugar da atual presidenta, Dilma Rousseff, corre o risco de ser condenado a penas duras, equivalentes à guilhotina para qualquer pretensão a uma carreira pública, no futuro. Se prevalecer o entendimento de que, na realidade, o publicitário Marcos Valério organizava um propinoduto consistente, pronto a abastecer as campanhas de candidatos de partidos que iam desde o PT ao PSDB, para os mais variados cargos no Executivo e no Legislativo, com ramificações no Judiciário, Dirceu tem uma grande chance de sair livre e com moral suficiente para retomar seu mandato na Câmara Federal, em uma nova eleição.
Seja lá qual for a sentença na cabeça de cada juiz, o que quer a opinião pública brasileira e o sagrado direito à Justiça determina é que seja prolatada com base nas provas constantes dos autos e não em historinhas mastigadas pela mídia de propriedade daquelas mesmas empresas aliadas, de alguma forma, ao esquema criminoso que reúne, há mais décadas do que já teve o século deste julgamento, os piores pesadelos à lisura e à probidade exigidas à res publica.
Em matéria publicada na edição desta quarta-feira, aqui no Correio do Brasil, o presidente do Congresso, senador José Sarney, depositou o seu voto de confiança em um julgamento justo para todos os acusados, no STF. Da mesma forma, o jornalista do diário conservador paulistano Folha de S. Paulo Jânio de Freitas afirma que os brasileiros querem “é a imparcialidade nos julgamentos todos”.
“É a equanimidade entre as decisões voltadas para os desprovidos e aquelas que se dirigem aos possuidores de riqueza ou de força política. É o direito à justiça também quanto ao tempo, porque, mesmo se favorável, a decisão que tarda dez, 20, 30 anos nunca fará justiça. É o julgamento limpo do ‘mensalão’, para condenar sem maldade ou absolver com grandeza”, afirma Jânio de Freitas.
Ainda segundo o cronista, no próprio diário que deu voz à história contada por Roberto Jefferson, embasa a acusação do procurador Gurgel e faz dobradinhas com a revista ligada ao esquema de Cachoeira, compete aos ministros do STF abstrair da pressão exercida pela mídia que pende para o linchamento de José Dirceu. Em um texto recente, Freitas chega a afirmar que “o julgamento do ‘mensalão‘ pelo Supremo Tribunal Federal é desnecessário”.
“Entre a insinuação mal disfarçada e a condenação explícita, a massa de reportagens e comentários lançados agora, sobre o ‘mensalão’, contém uma evidência condenatória que equivale à dispensa dos magistrados e das leis a que devem servir os seus saberes. Os trabalhos jornalísticos com esforço de equilíbrio estão em minoria quase comovente”, conclui o cronista.
*Gilberto de Souza é editor-chefe do Correio do Brasil.
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